CNJ decide: cartórios não podem exigir CND para condicionar registro de imóvel — o que isso significa na prática
- Isabelle Perin

- 15 de set.
- 4 min de leitura

Na sua decisão mais recente (Procedimento de Controle Administrativo nº 0001611-12.2023.2.00.0000), o Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reafirmou um ponto importante para quem compra, vende ou pratica atos registrais: não é legítimo que cartórios, serventias extrajudiciais ou corregedorias condicionem a lavratura, averbação ou registro de uma escritura de compra e venda à apresentação de Certidão Negativa de Débitos (CND) ou de Certidão Positiva com Efeito de Negativa (CPEN). Tal exigência foi qualificada pelo CNJ como forma indevida de compelir o pagamento de tributos — isto é, uma sanção política tributária — vedada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e pelo próprio CNJ.
Por que o CNJ entendeu dessa forma?
O CNJ apoiou sua decisão em precedentes do STF e em entendimentos já firmados pelo próprio Conselho: condicionar atos notariais e registrais à apresentação de certidões fiscais transforma o serviço registral em um instrumento de cobrança — função que não cabe aos registradores — e fere princípios como o devido processo legal, a separação de funções do Estado e a competência legislativa. Assim, normas internas (estaduais ou locais) e práticas que imponham essa condição devem ser afastadas.
Posso pedir a CND? Qual a diferença entre pedir e condicionar?
Sim — o CNJ deixa claro que os registradores e notários podem solicitar certidões (mesmo positivas) com finalidade informativa, para dar transparência ao negócio e possibilitar que o comprador tome ciência da situação fiscal do bem ou do vendedor. A diferença crucial é:
Pedir para conhecimento: permitido — fornece informação ao comprador/partes; não impede o ato.
Exigir como condição para registrar ou lavrar: proibido — não se pode negar o ato com base na ausência de CND.
Na prática, isso significa que o cartório pode informar ao comprador que há débitos vinculados ao imóvel ou ao vendedor (e até juntar cópias de certidões aos autos, se entender útil), mas não pode recusar o registro com o argumento de que não foi apresentada CND.
Por que condicionar o registro à CND é uma forma incorreta de cobrança?
O CNJ explicou que impor a CND como condição transfere ao registrador o papel de cobrador do tributo, atrelando a efetivação do ato jurídico (registro/averbação) ao pagamento de tributos que só podem ser cobrados pelos meios legais (fisco), com observância do devido processo e das garantias previstas na Constituição. Essa prática foi entendida como tentativa de impor uma sanção política por via administrativa, o que é inconstitucional à luz da jurisprudência.
O que isto muda para as partes (comprador e vendedor)?
Comprador: tem o direito de registrar a escritura sem que o cartório negue o ato por falta de CND; contudo, é altamente recomendável sempre checar a situação fiscal do imóvel por conta própria (consultas, certidões, cláusula contratual de responsabilidade). O cartório pode fornecer informações, mas não pode impor a não prática do ato.
Atenção: Não é porque saiu a escritura ou registro que o imóvel está 100%, a existência de débitos pode significar risco ao seu negócio no futuro.
Vendedor: embora o registro não possa ser indeferido pelo cartório, eventuais débitos tributários existentes continuam existindo e poderão ser cobrados pelos respectivos entes (município, Estado, União) ou discutidos judicialmente.
O que fazer se o cartório se recusar a registrar por falta de CND?
Anote exatamente o que foi exigido e a fundamentação apresentada pelo cartório (nome do atendente, horário, número de protocolo, se houver).
Leve a questão à Corregedoria-Geral da Justiça do respectivo Estado, apresentando o Procedimento de Controle Administrativo do CNJ como precedente (autos nº 0001611-12.2023.2.00.0000).
Caso seja cabível, registre reclamação administrativa junto ao CNJ ou ajuíze medida judicial para garantir o direito ao registro. A decisão do CNJ serve como argumento muito forte contra a exigência.
Recomendações práticas para contratos e escrituras
Inclua cláusulas contratuais claras sobre a responsabilidade por tributos (ITBI, IPTU, ITCMD etc.) e prazos para apresentação de documentos.
Se desejar proteção extra, negocie garantias contratuais (retenção de valores em cartório, cláusulas penais, depósitos judiciais, ou outras fórmulas lícitas) em vez de depender da ação do registrador para forçar o pagamento.
Busque orientação jurídica especializada e solicite certidões por sua própria iniciativa para evitar surpresas — a informação protege, mesmo quando o cartório não pode impedir o registro.
Conclusão
O Plenário do CNJ, no PCA nº 0001611-12.2023.2.00.0000, consolidou o entendimento de que é vedado condicionar a prática de atos notariais e registrais à apresentação de CND/CPEN. Pedir certidões para conhecimento é admissível; usar a certidão como obstáculo ao registro não é — trata-se de meio indevido de cobrança de tributos. Para quem atua no mercado imobiliário, a decisão reforça a necessidade de separar a esfera registral da cobrança tributária e de usar instrumentos contratuais adequados para mitigar riscos. Mas isso não significa que o risco do negócio é afastado com a não exigência da certidão, pelo contrário, o risco se torna ainda maior, por isso, faça seu dever de casa e capriche na análise de risco por conta própria.
Leia também: Quais são as responsabilidades das administradoras de imóveis na gestão de aluguéis? ou Monitoramento do COAF sobre Operações Imobiliárias
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