Do tijolo ao digital: entenda a tokenização de imóveis
- Perin Advocacia

- 24 de set.
- 5 min de leitura

Tokenização imobiliária é o processo de transformar direitos relativos a imóveis (ou parte deles) em tokens digitais, geralmente emitidos em uma blockchain ou tecnologia similar de ledger distribuído. Cada token representa uma fração ou conjunto de direitos sobre um imóvel — pode ser desde parte do valor, uma promessa de uso dos rendimentos (como aluguéis), até participação em propriedades futuras ou em empreendimentos em construção.
Os benefícios potenciais incluem:
Fracionamento: permite que investidores menores adquiram “pedaços” de imóveis, com investimento inicial muito menor do que comprar o imóvel inteiro.
Liquidez maior: tokens podem teoricamente ser negociados com mais facilidade (dependendo da plataforma) do que imóveis inteiros, que demoram para vender.
Acesso e democratização: mais pessoas podem investir no mercado imobiliário, independentemente de alto capital inicial.
Transparência e segurança: se bem estruturado, o uso de blockchain e contratos inteligentes (smart contracts) pode tornar o rastreio, auditoria e prova de titularidade mais eficazes.
Velocidade: reduz burocracias em certas operações, embora não elimine todas.
Como funciona a tokenização na prática
Aqui vai um passo‐a‐passo típico, simplificado:
Seleção ou definição do imóvel ou empreendimento: pode ser um imóvel pronto, um empreendimento em construção, ou mesmo uma parte de uso comum.
Avaliação jurídica e registral: verificar se há impedimentos legais, certidões, situação registral, dívidas, titularidade clara etc.
Estruturação do token: determinar que direitos serão tokenizados (fração do imóvel, direito a rendimento, promessas futuras, etc.), quantos tokens, se são fungíveis ou não, qual blockchain/plataforma será usada, qual será o contrato inteligente.
Lastro jurídico: esse é o ponto crítico. É preciso que haja alguma forma de garantir que o token represente de fato algo do mundo real, seja por contrato, custódia, vínculo com registro em cartório, ou outro mecanismo.
Emissão dos tokens: emissão digital, com registro na blockchain/plataforma.
Oferta / negociação: os tokens podem ser oferecidos diretamente, via crowdfunding, plataformas de tokenização, ou outras modalidades; pode haver mercado secundário dependendo do modelo.
Distribuição de rendimentos ou uso do direito: se o token dá direito a aluguéis, participação nos lucros, fruição etc., estes mecanismos precisam estar bem definidos no contrato, e a entrega/controladoria organizada.
Legislação brasileira: o que se permite, o que está em debate
A tokenização imobiliária no Brasil é uma área emergente, com avanços recentes, mas ainda com lacunas regulatórias. Aqui estão os principais pontos:
O que já existe/regulamentação recente
O Conselho Federal de Corretores de Imóveis (COFECI) publicou a Resolução nº 1.551 (em agosto de 2025) para estabelecer regras para tokenização imobiliária. Essa resolução define o conceito de Tokens Imobiliários Digitais (TIDs) e das Plataformas Imobiliárias para Transações Digitais (PITDs).
Pelo que consta, essa norma exige credenciamento das empresas que atuarem como plataformas de tokenização, definição de responsabilidades de custódia, transparência, participação dos corretores etc.
O que ainda não está resolvido
Registro público em cartório: um ponto crítico. A propriedade de imóvel no Brasil só se consolida plenamente com o registro na matrícula no cartório de registro de imóveis. Tokens digitais, por si só, não substituem esse registro. Há decisões recentes e circulares de corregedorias estaduais (por exemplo, em Santa Catarina) que vedam a vinculação da matrícula a tokens digitais ou representações em blockchain.
Lei de ativos virtuais / criptoativos (Lei nº 14.478/2022): essa lei regula ativos virtuais, mas exclui do seu regime “representações de ativos cuja emissão, escrituração, negociação ou liquidação esteja prevista em lei ou regulamento”. Isso pode excluir parte do que se pretende com tokenização imobiliária se for entendido como direito real ou propriedade.
Direito real vs direito obrigacional: muitos modelos de tokenização oferecem ao adquirente apenas direitos obrigacionais (contratuais) — uso, rendimento, participação — e não dão o direito real formal de propriedade até que se realize registro. Ou seja, o token pode dar direito a aluguel, renda, fruição, mas não necessariamente à titularidade registral do imóvel.
Uniformidade regulatória: como a legislação federal ainda está defasada, e há decisões estaduais ou de corregedorias, a aplicação prática varia bastante entre estados e municípios.
Exemplos práticos no Brasil
Aqui vão alguns casos reais ou modelos já operando, para ilustrar como isso está sendo aplicado:
Zuvia / Bauru (SP): um empreendimento residencial em Bauru em que cerca de 550 mil tokens foram emitidos para investidores, com aporte mínimo de R$ 25. O token imobiliário ficou disponível para negociação em plataforma integrada à B3.
Netspaces: empresa que atua com tokenização imobiliária e também com o padrão de Propriedade Digital, que busca vincular o token à matrícula do imóvel, dentro do possível, para dar mais segurança legal.
Normas do COFECI: já mencionadas acima como uma tentativa de criar um arcabouço regulatório para operar esse mercado de forma mais segura.
Principais riscos, desafios e o que observar de perto
Para quem vai atuar ou investir nesse mercado, é essencial estar atento a:
Segurança jurídica: em muitos casos, os tokens oferecem só direitos obrigacionais, não direito real. Se você estiver comprando um token, deve entender exatamente quais são os direitos que está comprando, e se esses direitos têm respaldo registral ou contratual que proteja seu investimento.
Registro em cartório: até que haja lei ou regulamentação que permita tratamento legal equivalente ao registro público para tokens ou à representação digital do imóvel, o registro tradicional permanece essencial para garantir propriedade plena.
Regulação local e estadual: porque alguns estados ou corregedorias têm emitido decisões que vedam ou restringem certas práticas, como a vinculação de matrícula a tokens. Então, pode haver diferenças dependendo da localidade.
CVM / valores mobiliários: dependendo de como for estruturado, um token imobiliário poderia ser interpretado como valor mobiliário ("security token"), o que implicaria em regulação pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). É importante ver se há enquadramento como título de investimento ou equivalente.
Transparência e direitos dos titulares: cláusulas contratuais bem definidas, custódia clara, responsabilidades, auditoria, riscos de fraude ou de mau uso da tecnologia, manutenção do imóvel, obrigações fiscais etc.
Perspectivas e tendências
A resolução do COFECI representa um marco importante; possivelmente servirá como base para normatizações futuras mais amplas.
O mercado espera que haja uma uniformização legal federal que trate da tokenização imobiliária, especialmente quanto ao registro público, natureza jurídica dos tokens e segurança do investidor.
Crescimento da demanda por plataformas confiáveis, com credenciamento, auditoria, prestação de contas etc.
Eventual integração com outras tecnologias regulatórias (RegTech / GovTech), blockchain nacional/regional, interoperabilidade entre cartórios, Registro de Imóveis e plataformas digitais.
Potencial de uso para pequenos investidores, fracionamento de imóveis de uso comum, empreendimentos coletivos, entre outros modelos inovadores.
Conclusão
A tokenização imobiliária é uma inovação com enorme potencial no Brasil: democratiza o acesso a investimentos imobiliários, pode trazer mais liquidez, transparência e eficiência. Porém, não está isenta de desafios. A legislação ainda precisa evoluir, especialmente no que tange ao reconhecimento legal dos tokens em relação ao sistema registral, à certeza de propriedade, aos direitos reais, e à regulação de valores mobiliários.
Leia também: Quais são as responsabilidades das administradoras de imóveis na gestão de aluguéis? ou Monitoramento do COAF sobre Operações Imobiliárias
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